QUEM É O BRASILEIRO NA FILA DO PÃO?

 

 

 Há décadas, nos alimentamos da ilusão anestésica de que vivemos no país do samba e do futebol. Também nos deixamos iludir pela canção que nos dizia "um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza". Mas, e agora, que nossa máscara caiu e que podemos encarar todo o nosso horror diante do espelho, o que faremos de nós mesmos?  

 

Somos um povo que superlota igrejas e estádios e que esvazia ou ataca manifestações populares legítimas porque diz não gostar de política. E, por não gostarmos de política, votamos em homens que também dizem detestá-la, para depois fazê-la em benefício próprio e de uma elite financeira que também diz ter horror à política. Não falamos em política. E, se falamos, é para dizermos que políticos são todos uns ladrões e que o melhor mesmo é votar em algum palhaço nos próximos pleitos. Fazemos isso com uma estúpida satisfação vingativa: damos um tiro em nosso próprio pé e chamamos o dedão estourado de "voto de protesto".

 

O brasileiro adora sua polícia e odeia seus professores. Somos aqueles que aplaudem chacinas promovidas pelo braço armado do Estado e que chamam educadores grevistas de vagabundos. Não queremos que nossos mestres falem de sexualidade e injustiça social na sala de aula, mas abonamos uma conduta policial que trata pobre como bandido e que trata o verdadeiro bandido como um igual, pois com ele chafurda no crime naturalizado que nos alimenta os preconceitos na hora do almoço. Somos canibais com garfos enfiados nas vísceras dos miseráveis assassinados ao vivo, na televisão que, de tão onipresente, nos parece incapaz de mentir. Acreditamos mais no vilão da novela da Globo do que na precarização do trabalho e no aquecimento global. Sempre preferimos o caminho mais fácil, pois desde cedo nos deixamos contaminar pela ideia de que somos um povo preguiçoso. E, por isso, não temos pudor em furar filas e tirar vantagem de tudo e de todos com nosso “jeitinho brasileiro” de fazer as coisas. Usamos de expedientes criminosos para complementar a renda familiar, surrupiada por aqueles que nos compraram o título de eleitor e que nos chamam de gentinha.

 

Somos o país do Safadão e da Popozuda, do top e do malandramente, do “ou nós ou eles”. Somos campeões mundiais da zica, da dengue, da chikungunya, da febre amarela e do meme. Somos os melhores em fazer piada de tudo, principalmente de nossa própria desgraça rotineira, e chamamos a isso de “mitar”.

 

Somos um povo que comemora o retorno de goleiros assassinos e que agradece a partida precoce das Dandaras massacradas por discursos religiosos e ultraconservadores. Nos orgulhamos tanto de nossa sexualidade vibrante e latina que entendemos estupro como sexo consensual. A fim de que nossos homens tenham salvaguardadas suas picas brochas, chamamos de frígidas todas as feministas e todas mulheres que dizem “não”. Escravos masoquistas de nossa promiscuidade social, gozamos quando o Capitalismo, calçado em saltos altíssimos, nos espreme os genitais até desmaiarmos de prazer. Que delícia ser pisoteado por um malfeitor tão belo!

 

Nos autodeclaramos um povo pacifista, mas vibramos com menores de idade amarrados a postes, torturados até se transformarem em coisas. Nos dizemos pró-vida e marchamos contra o aborto, no mesmo passo em que desejamos a pena de morte para ladrões de celulares e mendigos que enfeiam nossas praças – assim como os moradores de rua – abandonadas pelo poder público.

 

Somos o país das mulheres machistas, dos negros racistas, dos pobres de direita e das bichas homofóbicas. Somos o país da imbecilidade orgulhosa e da inteligência constrangida. Somos o país do MBL e do pato de borracha da Fiesp. Regurgitamos frases de intelectuais desonestos e nos acostumamos a chamar Paulo Freire de "boçal ultrapassado". Sonhamos com a Mega Sena e com o dia em que todos nos tornaremos patrões, pois acreditamos que a única maneira de não sermos oprimidos é nos tornando opressores. Queremos ficar ricos não para deixarmos de ser pobres, mas para sermos um deles, sermos “um dos caras”, para “chegarmos lá” enquanto todos os outros ficam para trás.  

 

Somos aqueles que querem o maconheiro morto ou enjaulado e nos maravilhamos diante do voo esplêndido das aeronaves pilotadas por nossos heróis míticos, carregadas de cocaína. Cantamos o hino, vestidos com a blusa da seleção e enrolados na bandeira nacional, enquanto as panelas abafam o som dos direitos subtraídos na calada da noite. Inocentes, todos inocentes, sonhamos em ser o país o do futuro.

 

Somos aqueles que comemoram quando estudantes são expulsos com bombas de gás lacrimogêneo das escolas que ocupam por temerem perdê-las. Agimos com indiferença diante de universidades fechadas enquanto centenas de milhões foram desviados para comprar os votos que garantiram as reformas trabalhista e previdenciária. E, se sobrar algum dinheiro, que apliquem na construção de anexos para que este bordel chamado Congresso Nacional possa abrigar cada vez mais perversões corporativas.

 

Somos um povo que adora linchamentos públicos nas redes sociais, que compartilha boatos e que retuíta mentiras escandalosas. Nos tornamos mais parecidos com nossos selfies do que com nós mesmos: Somos criaturas superficiais e vazias, mas com um sorriso no rosto e uma bela paisagem por trás. Somos o povo que pede "menos amor e mais glifosato, por favor”. Poderíamos ser um pouquinho mais Maísa, mas escolhemos ser muito mais Dudu e Sílvio. Trocamos verdade por convicção e nomeamos a isso de justiça.

 

Dizem por aí que “o melhor do Brasil são os brasileiros”. Me pergunto quando perceberemos que, sem dúvida alguma, somos o nosso pior também.

 

Emerson Braga

13/07/2017

 

 

 

 

 

Comments: 3
  • #3

    Sara (Friday, 13 April 2018 19:32)

    Ótimo

  • #2

    ticiane (Saturday, 15 July 2017 08:33)

    Sem comentarios arrasou meu primo ate quando teremos que viver ou melhor sobreviver engolindo o que esses engravatados nos empurram goela abaixo e ainda tem quem aplaudam

  • #1

    Gina Girão (Thursday, 13 July 2017 11:41)

    Ah, Peste! "Se eu não te amasse tanto assim, talvez perdesse os sonhos dentro de mim, e vivesse na escuridão."