VIDAS TRANS IMPORTAM!

Ontem, dia 25 de janeiro de 2018, tive a grata felicidade de ser espectador de um debate urgente, que se deu na sede do PSOL-CE, na Avenida do Imperador, em Fortaleza, o Vidas Trans Importam.

 

Apenas no Ceará, 30 pessoas da comunidade LGBT foram assassinadas no ano de 2017 em crimes motivados pela homofobia. Número que colocou nosso estado na quarta colocação nacional nesse tipo de violência.

 

Mais que minorias, nós das comunidade LGBT somos pessoas, cada um com sua história, sua vivência, sua individualidade. Porém, o corpo LGBT, este corpo diferente da norma e de padrões pré-estabelecidos, este corpo que habitamos à revelia de toda a sociedade, este corpo tem uma história única, independente da quantidade de indivíduos diversos que o habitam. E é uma história de violência física, psicológica e social que vem tentando há décadas e décadas nos escamotear dos cenários públicos, de nosso direito de existir, de permanecer e de transformar este mundo.

 

Nas travestis e nas transexuais, este corpo ― odiado por ser deslocado ― torna-se ainda mais evidente, o que faz delas vítimas em potencial dos crimes mais bárbaros e execráveis aos quais a comunidade LGBT brasileira tem sido submetida, sem que os sucessivos governos se preocupem em atender nossas demandas por dignidade e igualdade de direitos. O corpo LGBT parece importante a muitos ocupantes de cargos públicos apenas na função de cabo eleitoral, mas não como ente político participante/transformador da sociedade.

 

Devido a esse distanciamento, a essa exclusão projetada no sentido de invalidar e deslegitimar nossas lutas, e principalmente a luta das pessoas transexuais e das travestis, é que o debate realizado ontem foi muito bem-vindo.

 

O encontro foi pautado pelas maravilhosas Amara Moira ― travesti, puta, feminista, escritora, doutora em teoria literária e autora do livro E se eu fosse puta, Helena Vieira ― transfeminista e escritora, e do queridíssimo Rian Santos ― estudante de serviço social e militante trans.

 

A sigla LGBT não tem força o suficiente para nos tornar um movimento mais coeso e atento às diversas demandas que permeiam as minorias que a compõe. Na verdade, acabamos sendo mais L-G-B-T do que LGBT. E essa falta de entrosamento entre lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexuais, assexuais/arromântiques/agênero, pan/poli, ou seja, entre todas as nuanças que colorem as diversidades, acaba por retardar nosso movimento, nosso desejo de avançar, apesar da quantidade de pautas comuns a todas as identidades e orientações sexuais que não se encaixam no modelo cisgênero heteronormativo (inclusive, considerando-se as questões socioeconômicas e as raciais, questões estas que estão profundamente amalgamadas à causa LGBT e que precisam ser levantadas em todo e qualquer debate).

 

Estar ali, ouvir declarações como “as narrativas que nossos corpos falam antes de nós abrirmos nossas bocas”, como bem disse Amara Moira, fizeram com que eu percebesse e assimilasse uma realidade muito diferente da minha de homem cisgênero branco e homossexual. Até ontem, eu acreditava que minha homossexualidade bastaria para que eu me engajasse na luta das companheiras travestis e transexuais. Mas as coisas não funcionam bem assim. Dentro do escopo apenas das pautas gays ― por mais que o fato de ser um homem gay realize em mim a empatia necessária para me solidarizar com as batalhas diárias de outras minorias ―, eu jamais encontraria a substância necessária para compreender, interiorizar e assimilar quais os anseios das pessoas pertencentes às outras lutas dentro da mesma sigla que tomo como bandeira. As conexões entre sexualidade e ação política não podem ser criadas apenas a partir do nosso olhar como indivíduo. Elas se edificam por meio das desconstruções possibilitadas pela disposição em ouvir o outro, inteirar-se de suas experiências através do debate dialético e, assim, sintetizar um “eu” que se expresse como um “nós”. Esse é o grande ponto. Essa é a maior luta dentro de nossas muitas lutas: A de nos reconhecermos como transformadores sociais distintos, mas que almejam o mesmo objeto: uma sociedade que nos acolha com dignidade e equidade de direitos sociais e econômicos.

 

Gratidão pela acolhida do morto de lindo Ari Areia, do sempre presente e inspirador Ailton Lopes e do homão da porra Renato Roseno, cujas palavras nos chegam como um chamado para fora da caverna.

 

Helena, Amara, Rian, parabéns pela força, determinação e generosidade em nos emprestar suas vozes.

 

Foi um encontro maravilhoso. Que venham outros!

 

Emerson Braga

26 de janeiro de 2018, sexta-feira

Comments: 1
  • #1

    Maria (Saturday, 27 January 2018 05:26)

    Parabéns pelo texto e pela força!