DESPEDIR-SE É REAPRENDER A EXISTIR


Ontem, contra minha infantil vontade de ainda tê-lo por tantos anos a meu lado, a vida obrigou-me a dizer adeus a um homem que amei como se ama a um pai, que me amou como se ama a um filho. Vê-lo partir ― apesar da certeza de que este dia aproximava-se, na contramão de nossos infantis apelos ― foi muito, muito doloroso. A sensação que experimentei foi a de que, naquele instante em que o esquife desceu sete palmos terra adentro, eu deixei um pouco de existir.

 

Estranhamente, não houve orações, cânticos ou discursos apaixonados no momento de seu sepultamento. Somente o choro dos parentes e amigos e o lamento de sua esposa que, em seu último instante junto ao corpo do homem que amara por toda a vida, fez a mais bela declaração de amor que jamais ouvi nas ruas, vi nos filmes ou li nos livros. Apenas sua voz indignou-se contra o trabalho da morte, enquanto nós todos nos mantivemos  quietos.

 

Não me pareceu natural a ausência de ritos cristãos em um funeral de minha família, que é muito religiosa. Apesar de eu não partilhar de suas crenças, não entendi por que meus parentes não estavam se despedindo da única maneira que sabem: Através da fé.

 

Apenas hoje, ao acordar menos afetado pela dor da perda, pude compreender a razão do silêncio.

 

Estávamos todos perplexos. Apenas a total perplexidade, paradoxalmente posta diante da certeza da morte, pode justificar a ausência de rezas e ladainhas; as canções emudecidas em nossas vozes tomadas pelo soluço; a palavra mitigada, enfraquecida, em minha garganta de homem apaixonado pelas letras.

 

 

Não sabíamos o que dizer, o que orar ou cantar. Diante da sepultura aberta como uma porta para o nunca mais, entendíamos apenas a lágrima e a separação. A dor transformada em mantra, o pranto convertido em uma única voz que repetia sem trégua: Fica! Fica! Fica!

 

Mas ele partiu. Partiu e, então, todos nós deixamos de existir por um instante. Pois nossa existência estava vinculada a dele, inevitavelmente ligada à sua hombridade, humanidade e sabedoria. Perdemos um homem que nos ensinou a viver com tão pouco e, por isso mesmo, sem dúvida alguma, foi o homem mais rico que já conheci, possuidor de um tesouro inestimável: Uma alma que brilhava na escuridão feito uma teimosa e ardente chama de vela. Uma vela que se apagou, mas cujo calor permanece em nossos corações.

 

Talvez despedir-se seja uma oportunidade para reaprendermos a existir. Portanto, renasceremos todos. Seremos outros. Espero que pessoas melhores. Criaturas tão boas, gentis e generosas quanto o homem que ontem assistimos partir.

 

 

Te amamos para sempre, João.

 

Emerson Braga

08/04/2015, quarta-feira

Comments: 6
  • #6

    Emanuelle cc freitas (Thursday, 09 April 2015 10:28)

    hoje novamente fiquei sem palavras diante desse texto q expressa nossa realidade. muito lindo

  • #5

    Ângela (Thursday, 09 April 2015 08:54)

    Lendo esse texto não pude deixar de me reportar a perda definitiva ( não no meu coração. Nesse ela está mais viva que nunca) da minha mãe querida. Sua partida inexorável, sem esperança de retorno, com a certeza de que jamais ouvirei suas piadas, seu olhar doce, sua bondade, seu amor infinito pelos filhos, netos, amigos, seu amor imensurável pela vida, pelas flores, plantas, animais....A vida já não é a mesma sem ela. E ainda agora me pergunto se existe violência maior que a morte de pessoas as quais não podemos sequer pensar em perder. Mas perdemos, e essa dor é a maior que se pode sentir, sobretudo quando sentimos na pele o sofrimento daquele que amamos. Compreendo a dor da Mazinha e de seus filhos e de todos aqueles que amavam e admiravam o João. O tempo, só o tempo consegue aplacar um pouco, ou adormecer essa que é a dor maior do ser humano.

  • #4

    Das Dores Mota (Wednesday, 08 April 2015 20:08)

    Linda Homenagem! Agora é se preparar para a A C E I T A Ç A O quando se perde alguem que amamos muito passamos um ano para aprendermos a lidar com a dor da perda mas Deus vai fortalecer todos vocês! Te admiro muito e você é uma pessoa Iluminada!

  • #3

    Ticiane Freitas (Wednesday, 08 April 2015)

    Lindo texto meu primo amo te

  • #2

    edson morais (Wednesday, 08 April 2015 13:20)

    Uma homenagem pura, intensa e ao mesmo tempo dócil.

  • #1

    Kaio Guerra Vale (Wednesday, 08 April 2015 11:36)

    Linda homenagem e ao mesmo tempo muito triste as palavras. Não o conhecia a muito tempo mas o pouco que conhecia era o suficiente para o admirar.