COMO ME TORNEI GAY

 

         Eu não nasci gay. Se nasci, não me lembro de sentir-me assim. Também não me lembro de sentir-me macho convicto. Aliás, quem se lembra do que sentia quando chegou ao mundo? Metade dos desejos resumia-se à vontade de comer; e a outra, à necessidade de cagar. Não sei se eu já engatinhava com “jeitinho” ou se, ao dar meus primeiros passos, rebolei feito uma Lindsay Lohan desastrada e alcoolizada.

 

Putz! Se isso não tem a menor importância hoje, imaginem então em meus primeiros anos de vida!

 

Também não fui uma criança gay. Quando crianças, nos recusamos a ser aquilo que nos ordenam ser (ou que dizem que somos), pois sabemos que podemos ser tudo o que quisermos. Eu achava alguns colegas de sala uns moleques bem lindinhos, queria tocá-los na intimidade do pique esconde na hora do recreio, estreitar minha cadeira a deles nos trabalhos de sala, dividir meu lanche, esperar que eles terminassem de copiar a matéria do quadro a fim de que pudéssemos ir embora juntos, como um casal de namorados. Isso me fazia gay? Esses sonhos de menininho apaixonado por outros garotos? Não. Eu era apenas aquele que estava a descobrir mais sobre si mesmo e sobre os outros; a diferença é que descobri do jeito “torto”, da maneira “errada”, de forma “equivocada”; fiz essa descoberta através dos pueris olhos dos meninos que amei em minha infância. Os adultos diziam que “homem com homem, é lobisomem; mulher com mulher é jacaré”. Já eu... Ah! Eu não me importava! Sempre adorei filmes de terror e uivos ao luar! Eu amava loucamente todos os bonitinhos de minha rua e de minha escola, e aqueles sentimentos eram fabulosos, me transformavam em alguém que realmente sabia que existia. Mas sentir aquilo fazia de mim um gay? Não. Não fazia.

 

         Daí veio a adolescência, e com ela, a pressão familiar. Todos queriam que eu fosse feliz, mas não com quem eu bem entendesse. Para meus pais e tios, era urgente que eu arranjasse uma namorada, clamor que atendi sem muita resistência. Mas o tiro saiu pela culatra. A adolescência fez com que eu descobrisse que o mundo não era feito apenas de meninos deliciosos; que também havia meninas fantásticas! A facilidade de passear entre os sexos, prová-los, experimentá-los sem culpa ou remorso, fez de mim muitas coisas, mas não fez de mim um gay.

 

         Concordo com os radicais religiosos e conservadores quando dizem que ninguém nasce gay, que nos tornamos gays no decorrer de nossas vidas. É verdade. Eu não nasci gay, pois ser gay demanda coragem e sabedoria que só conseguimos com o tempo. Eu me tornei gay através de um demorado e doloroso processo social de autodescoberta, no qual eu tive que escolher entre me tornar gay ou me calar para sempre.

 

Eu me tornei gay para não permitir que me destruíssem a capacidade de sentir, para que não sepultassem, sob toneladas de intolerância, todo o lirismo e poesia de minha sexualidade “fora do convencional”. Tonei-me gay como algumas mulheres se tornam feministas e alguns amantes da natureza, ecologistas. E virar gay foi uma escolha muito bem pensada e necessária para que eu pudesse seguir em frente sem que as pessoas fizessem de conta que eu não existia. Ser gay era uma opção, sim. E eu a escolhi para que minha sexualidade deixasse de ser tratada como um incômodo social e ganhasse status de realidade que não aceita ser ignorada. O rótulo transmudado em identidade.

 

         Se eu não tivesse escolhido ser gay, eu ainda seria invisível. Viveria minha vida dentre quatro paredes sólidas, revestidas de vergonha e culpa, transando com centenas de homens também inexistentes; tudo isso para não abalar a “ordem natural das coisas”.

 

Ser gay não está em meu código genético ou em minha alma; está em minha ideologia, em minha luta cotidiana por dias melhores. Assumir-me gay, enxergar-me gay, dizer-me gay, deu voz ao menino que tentaram matar ainda lá no começo, em minha infância. Mas resisti bravamente, pois, afinal, o Luís Gustavo era lindo demais; meu amor por sua risada de olhinhos cerrados influenciava-me mais que a reprovação daquele bando de adultos infelizes e de sexos pré-moldados.

 

         Ter me tornado gay foi a atitude mais sensata que já tomei em minha vida, pois me deu consciência e também um propósito. Ser gay me trouxe de volta a liberdade infantil de poder ser muitas coisas. Ser gay não é algo que carrego em minhas fantasias, mas em minha sobriedade. É meu partido, é minha bandeira, e também o que, felizmente, me mantém enlouquecido em um mundo que desde cedo tentou contaminar-me com sua esterilizante lucidez.

 

         Ser gay não é meu sexo, é meu nexo. Não é algo que faço, é algo que sou. E de que me orgulho. Muito.

 

Emerson Braga

16/12/2014, terça-feira

Comments: 6
  • #6

    Marcos (Friday, 09 November 2018 07:36)

    Tu nasceu gay imbecil, quem diabos vai fazer uma escolha dessas? Pra ser massacrado pela.sociedade. vai ler mais e te inteirar pra não tá postando besteira.

  • #5

    MARCOS (Tuesday, 12 September 2017 10:14)

    Muito interessante a sua manifestação quanto a escolha em ser gay.

  • #4

    MARCO ANTUNES (Wednesday, 17 December 2014 12:34)

    Bem, minha experiência foi diferente. Sempre entendi que era diferente e isso me fazia mais forte. Como nunca dei a menor bola para o que quer que achassem ou deixassem de achar de mim, inclusive no que se referia aos meus pais e parentes, nunca fiz o menor esforço nem para esconder nem para demonstrar nada. Simplesmente um dia aconteceu um ato sexual e me pareceu muito claro que podia as duas coisas: amar um homem ou uma mulher e, de fato, fiz com a maior naturalidade. De modo que, quando aparecei em casa com meu primeiro cara foi tão natural quanto com minha primeira namorada. Nunca dei a menor importância para risinhos, como sou meio grande e forte, se alguém deu algum risinho deu com muito cuidado pra eu não ver e, como eu nunca fiz caso nem tentei esconder, a piada não tinha graça. No trabalho fiz como tudo, então algo me diz que tudo na vida é como você se vê e se apresenta, os outros, bem, eu fiz um trato com o mundo: não me meto na vida de ninguém e ninguém se mete na minha. Se alguém um dia achar ruim não tem problema não! A gente rola no chão na hora mesmo! rsrsrsr

  • #3

    Walison (Tuesday, 16 December 2014 12:54)

    Olá, Emerson!
    Tenho ouvido/visto seus ecos por Ceu, por ela mesma e na página do seu facebook... Não sei ao certo como vc é. Posso já ter visto por fotos e tal; não me lembro de vc fisicamente, mas estou seguro que uma pessoa como vc é, no mínimo, decidida, honesta, sensível, inteligente...
    Meu caro, encontro no seu texto/arte/confissão um desdobramento de mim e de tantas histórias-gente que já vi e com que já vivi! Chego a me remoer por dentro com sua delicada forma de narrar/argumentar/expurgar... Me encontro um pouco dentro desse espaço seu de ser e ver o mundo em volta, que dilacera, na maioria das vezes..... não por simplesmente ser gay, mas por tantas chagas e machucões que nos são causados a fim de que tomemos um "rumo"...
    Desejo a vc, a Ceu e a quem mais se quiser muito mais luz! Abraço!
    Walison

  • #2

    CEU (Tuesday, 16 December 2014 10:00)

    PS: tomei a liberdade de mudar a grafia da palavra "parecer", pra dizer melhor o que eu queria... hehe.

  • #1

    CEU (Tuesday, 16 December 2014 08:43)

    E eu me orgulho muito de você, de mim, de quem é o que é. Tem escolhas que temos que fazer sim. Eu escolhi ser mulher, poderia não ter escolhido esse papel, essa função construída pela sociedade, mas escolhi ser a mulher que eu sou. Nos fazemos para além dos rótulos... SER gay é uma escolha, onde a outra opção é não paresSER. É escolha que se peita, para ser o que se é, pra ser vivo e real. "Ser gay não é meu sexo, é meu nexo". Texto fantástico, meu lindo querido!