A FOGUEIRA DAS VAIDADES DO

 

SÉCULO XXI

Desde a última semana, a Burberry ― marca de roupas de luxo britânica ― ganhou a grande mídia devido à implementação de uma prática duvidosa. A fim de manter a aura de exclusividade junto aos praticantes de outfit e garantir que seus produtos sejam consumidos apenas pelas altas esferas da cadeia alimentar social, a gigante da moda queimou parte considerável de seu estoque.

 

Sabe-se que marcas como Chanel, Louis Vuitton, Nike, Cartier e a Montblanc, dentre outras, também se valem desse expediente para manter suas peças longe das mãos calejadas do populacho. Afinal, Cristiana Arcangeli não merece ver mulheres circulando pela 25 de Março com roupas ou acessórios iguais aos seus. 

 

Apesar do desperdício dos produtos e do desrespeito com a mão de obra neles aplicada ― sem falar nos prejuízos ambientais alavancados por incinerações ―, o que me traz aqui hoje é outro dano causado por essa prática abjeta: A sofisticação da segregação social.

 

Todos nós fazemos parte da mesma espécie: A humana. Porém, nossa humanidade nos brindou muito pouco com a capacidade empática de nos reconhecermos uns nos outros. As guerras tribais travadas durante o advento da sociedade nos separaram pela primeira vez entre vencedores e vencidos, entre escravizadores e escravizados. De lá para cá, não deixamos de trocar embates bélicos que resultaram na Bomba de Hiroxima, no Muro de Berlim, na escravização dos negros africanos, no massacre dos povos ameríndios, na alienação da identidade cultural das populações extorquidas pelo imperialismo, na associação irresponsável e premeditada da fé de muitos a atos terroristas etc.

 

Tirando a instabilidade causada por Donald Trump, o maior de todos os tarados marciais do mundo, o Ocidente branco e rico segue tranquilo, enquanto os países por ele explorados à exaustão permanecem naufragados em guerras civis sangrentas que não parecem ter fim. Há tempos, a América do Norte e a Europa Ocidental vêm deixando de elaborar seus mecanismos de controle e subjugação dos povos baseando-se apenas nos conflitos violentos que promovem. Toda guerra é suja, é feia, ganha muitos dislikes. Hoje, a falta de coesão entre as pessoas é garantida por meio da manutenção do extremismo religioso, do preconceito racial, da discriminação contra os pobres e miseráveis, da intolerância que persegue os LGBTQs etc. O mundo transformou-se em uma profusão de castas que se canibalizam entre si, enquanto um pequeno grupo hegemônico permanece no poder sem precisar mais dar tantos tiros. A globalização, que deveria nos unir, acentuou nossos antagonismos e nos transformou em tagarelas moucos que sonham com o engrandecimento pessoal em detrimento de tantas coletividades massacradas.

 

         A fogueira das vaidades do século XXI não consome o luxo a fim de bani-lo, mas para preservá-lo. As piras milionárias são uma alegoria de tudo aquilo que permitimos que seja destruído para que os muros e as grades mantenham-se de pé. A Burberry não queimou apenas roupas e acessórios exclusivos. Também arde em meio às chamas escandalosas a costureira que jamais usará o cachecol xadrez no qual empregou sua força de trabalho. O produto não pertence a quem o produz, mas àquele que o vende e ao que o compra não para tê-lo, mas para ostentar algo que o outro, desequipado de poder aquisitivo, só pode almejar sem jamais alcançar.

 

         Em nossa modernidade, que vê na nudez dos corpos marginalizados uma ameaça, aqueles que se encarapuçam sob a proteção faraônica das grandes marcas têm mais chance de sobreviver. Os logotipos de luxo são símbolos sagrados que os guardam do mal por eles produzido e gerenciado. Sem armadura sagrada que nos garanta a sobrevivência, nos conformamos em sair por aí vestidos com a única vestimenta que nos cabe: a capa de invisibilidade.  E, feito cegos deslumbrados, seguimos esquecidos na masmorra que sustenta a passarela na qual desfila o mundo civilizado.

 

 

Emerson Braga

25/07/2018, quarta-feira

 

 

Comments: 3
  • #3

    Wellington Moreira (Tuesday, 07 August 2018 05:45)

    Ótima reflexão! Mantendo a chama da sobriedade acesa.

  • #2

    Baltazar (Thursday, 26 July 2018 16:42)

    Ótima leitura.

  • #1

    Gina Girão (Thursday, 26 July 2018 15:26)

    Estupefata, aqui. Peste, tu tá cada dia melhor!