ÀS VEZES OU QUASE SEMPRE

 

Por volta dos 13 anos de idade, pensei em tirar minha própria vida. Sim, é verdade, e não tenho vergonha nenhuma de falar sobre isso. Acho que esse fantasma, mesmo que em um átimo, acaba meio que passando pela cabeça de todos nós. Não cheguei a planejar, marcar a data, escrever uma carta ou algo do tipo... Não. Apesar de minha inegável inclinação à dramaticidade, apenas imaginei como seria e se realmente a morte me livraria de minhas infantes dores, de meus pesares. 

Pensei tanto sobre a possibilidade de uma planejada e prematura morte que o exercício me tornou capaz de percebê-la como um excesso, que nada me traria de benéfico e que apenas serviria para atormentar meus pais, irmãos, parentes e amigos que, muito provavelmente, sentir-se-iam culpados por não terem percebido ou feito algo para salvar-me de meu mórbido fetiche. 

Desde que superei minhas adolescentes fantasias suicidas, tornei-me corresponsável por todas as coisas que acontecem a meu redor. Não é mais simplesmente o mundo o grande e único culpado por minhas mazelas existenciais, mas eu mesmo. E, a cada espasmo cardíaco, tomo para mim um pouco mais desta responsabilidade, anseio sinceramente que um dia ela venha a ser apenas minha, e de mais ninguém. 

Ser totalmente responsável pela própria vida é uma tarefa que demanda um trabalho dos diabos.

Mesmo quando traído, enganado ou posto em segundo plano, não me sinto mais no direito de simplesmente imputar culpabilidade a outra pessoa pelo que me ocorre, mesmo que seja clara e incontestável qualquer ação danosa contra mim. Minha consciência afirma que as armadilhas deliberadamente postas em meu caminho passam a ser de minha propriedade no decisivo instante em que me deixo cair nelas, distraído. A distração, a bondade pela bondade, a inocência, nenhuma delas é virtude de pessoas crescidas. Na verdade, não passam de vícios, de subterfúgios. Pecamos ao achar que nada de ruim irá nos acontecer por nos acreditarmos justos, íntegros e bons. Afiançar-se bom talvez seja mais parecido com ser ruim que bom. 

Mas às vezes – ou quase sempre – é impossível administrar e aceitar a responsabilidade de tudo que nos acontece. Às vezes – ou quase sempre – parte do fardo que carrego se torna tão insustentável e violento que o desejo de morte me acena a sorrir, na esquina de minha juventude. Sorrio com pena da dúvida e sigo em frente, decidido. Devo esta coragem não somente a mim, logo eu, pobre homem: pequena coisa pensante jogada em um mundo tão mais antigo que qualquer um de nós e totalmente avesso ao pensamento. Devo parte desta coragem à arte. 

Sem a literatura, o cinema e a música, muito provavelmente eu teria emurchecido ainda jovem, pois minha percepção sempre captou de maneira muito intensa o que ocorre no mundo, e isso à vezes – ou quase sempre – dói. 

Apenas a arte é capaz de aplacar minha dor, de transformá-la ou de reciclá-la. Sem a capacidade criativa e imaginativa que a todos habita – mas que em alguns parece mais viva –, eu não teria suportado por tanto que culpei os outros, por tanto que me culpei. Não, eu não me mataria. Mas certamente, perderia a vitalidade, me tornaria um melancólico. 

Enlouquecer-me, perder a sanidade por meio da arte foi a única maneira que encontrei de não desistir deste mundo, de olhar nos olhos da morte e dizer: “Ah, não me amole com este papo de eternidade!”

 

05/06/2014, quinta-feira

 

Comments: 4
  • #4

    Edna Kalil (Tuesday, 09 June 2015 08:40)

    Querido Emerson, um belo texto muito humano , eu entendi perfeitamente senti na pele ! Parabens !

  • #3

    Cecilia De Luca (Tuesday, 09 June 2015 08:23)

    Fantàstico!!!

  • #2

    Dayse (Monday, 08 June 2015 22:35)

    Deixo-me nua! Andou falando com meu inconsciente?

  • #1

    Marco A (Monday, 08 June 2015 12:12)

    Temos muito em comum.