PREFIRO FICAR COM AS GAY

 

         “Eu não me importo que meu amigo seja gay, contanto que ele não dê em cima de mim”. Quem aqui nunca escutou essa máxima não sabe o constrangimento que é viver em uma sociedade heteronormativa.

 

Apesar de a declaração ser notoriamente um paradoxo, ela é aceita por muitos como incontestável regra social. Tudo bem. Vamos falar de regras sociais, mas não sobre essas que endossam o mainstream. Quero falar das regrinhas undergrounds, daquelas ignoradas, marginais.

 

         Eu não conheço um único gay, unzinho que seja, que jamais tenha sido cantado por caras que se identificam como heterossexuais. E isso acontece com mais frequência do que muito pai orgulhoso do filho machão gostaria de acreditar. Porém, o assédio heterossexual não é repudiado pela maioria dos gays, que tomam essas cantadas como prova incontestável de que são mais fechadoras que azamigas.

 

         Colega, a cantada do cara heterossexual não é um elogio, é uma declaração de poder. Quando o boy “hétero convicto” chega pra você e diz: “Eu nunca fiquei com outro cara, queria fazer só de sacanagem, pra ver como é, blá, blá, blá...”, ele não está te dizendo que você é linda e maravilhosa. Na verdade, o que ele diz é que ele pode te cantar, ele pode chegar junto, ele pode decidir quem será o passivo e o ativo, porque é ele quem dita as normas do regulamento social vigente.

 

         Sabe por que os caras héteros ficam tão putos quando são cantados por gays? Pela mesma razão que eles não sabem como reagir à cantada de uma mulher: Porque cantada é um mecanismo de opressão sexual, e os machos alfa comilões, os predadores de pau na mão, sabem disso. Duvida? Então experimente rejeitar a cantada. Do nada, em um passe de mágica, você deixa de ser uma pessoa atraente e se torna o viadinho-filho-da-puta-fodido-do-caralho-que-merecia-levar-paulada-até-morrer. Com as meninas, não é diferente. Aceitando ou não a cantada, todas são putas. Todas. É por isso que o homem heterossexual que dá em cima de todo mundo não curte levar cantada, porque recebê-la subverte a realidade social na qual ele vive confortavelmente: A de poder oprimir e nunca ser oprimido.

 

         Muitas bichas fantasiam romances gays com caras héteros. E, mesmo que esses romances se concretizem, não deixarão de ser apenas uma tola idealização. Se o cara não te assume, se o cara te esconde como um segredo sujo e vive falando por aí que viado é isso e aquilo, então você não tem um romance, você tem um problema. E dos grandes. Caras assim podem te ferir gravemente. É sério.

 

         Não conheço um viado que já não tenha se apaixonado por um cara hétero. Eu também tive minhas paixões platônicas na adolescência. Mas, depois que comecei a entender porque eu me sentia atraído por héteros e não por outros gays, minha visão de mundo mudou totalmente. E o direcionamento de meu afeto e tesão também.

 

         Nós nos apaixonamos por héteros ― geralmente os mais estúpidos, covardes e manipuladores ― porque queremos, mesmo que inconscientemente, fazer parte da regra, da maioria. Amar um hétero é viver os louros da heterossexualidade através do outro. O que é uma bobagem. E o pior é que temos esse maldito hábito de optar pelos canalhas. Talvez façamos isso para nos vingarmos da pequenez machista ou por acharmos que merecemos ser punidos. Não sei. Tudo que sei é que relacionamentos em longo prazo com caras héteros (sejam eles babacas ou não) tendem a acabar mal. O cara um dia vai embora, ele nunca esteve de verdade na sua. E você, sozinho, terá que recolher os próprios cacos e partir em busca do próximo sujeito que irá novamente despedaçá-lo.

 

         Eu não me importo que meu amigo heterossexual dê em cima de mim, mas, sinceramente, prefiro ficar com as gay. Não existe nada mais libertário do que namorar alguém que passou pelas mesmas barras que você e, no entanto, está ali, te fazendo rir enquanto imita a Cláudia Leite ou faz um lip sync da Sia. É maravilhoso dividir a vida com alguém que não te esconda em um hiato, que te assume, que vai às paradas pela diversidade e, a seu lado, de mãos dadas, grita palavras de ordem, exigindo um mundo mais tolerante. Tudo bem que heterossexuais machudos e homofóbicos geralmente são passivas in-crí-veis, mas ficar com eles é permitir que continuem a nos oprimir enquanto se alimentam clandestinamente de nossa coragem de ser quem somos.

 

         Da próxima vez que um cara hétero te cantar, diga apenas: “Não, obrigado. Primeiro resolva seu problema, descubra o que quer realmente e só então venha falar comigo sobre treparmos como se o mundo fosse acabar”.

 

         Homem que é homem não canta outro homem. Mas também não canta as meninas. Homem que é homem sabe o que quer, seja ele gay ou não. E quem sabe o que quer não ofende seu objeto de desejo com uma abordagem opressora.

 

Que se foda a cantada! Cantar, como diria Cazuza, “só se for a dois”!

 

Emerson Braga

05/02/2016, sexta-feira

       

 

 

Comments: 3
  • #3

    Emanuel (Friday, 05 February 2016 18:32)

    Lindo texto, parabéns! Esse texto deve ser lido por vários heteros não resolvidos, eu amo as gays!

  • #2

    *Eu_mesmo* (Friday, 05 February 2016 06:39)

    O pior é quando a pessoa é "SUPOSTAMENTE" assumida, mas não quer assumir isso publicamente e posa de macho alfa por aí... Mas quando numa dessas reviravoltas da vida, se descortina a verdade daquela alma decadente, nos machucamos, não só na alma, mas verdadeiramente na carne...

  • #1

    Maris (Friday, 05 February 2016 06:09)

    Lendo e identificando vários amigos...