ENTÃO NÃO PAREÇO COM O QUE ESCREVO?

 

Há alguns dias, uma conhecida de um amigo meu muito querido enviou-me um convite a fim de que eu a acrescentasse à minha rede social. Por ela ser próxima de uma pessoa que amo e admiro, aceitei. 

            Já no primeiro dia, tivemos um contratempo devido à intimidade que cultivo por palavrões. Gosto de palavrões. Gosto muito. Mas os uso muito mais para elogiar do que para desabafar alguma mágoa ou amenizar uma dor. Também quase não os utilizo para ofender. Mas, às vezes a raiva – apesar de péssima conselheira –, é a única que escutamos e, daí já viu: é uma chuva de impropérios! 

            Se leio um texto que muito apreciei a forma, a estrutura, o lirismo, a cadência, enfim, quando me apaixono por algum trabalho literário, inevitavelmente direi em alto e bom som: “Puta que pariu, que texto do caralho!” É verdade! Esse é meu elogio maior. Quem já o recebeu, sinta-se lisonjeado. Meus melhores amigos, os que mais admiro e amo, a todos chamo “cão do meu ódio”. Gosto de pegar palavras e expressões carregadas ou negativas e transformá-las em algo pra cima, divertido, engraçado, e sincero. 

            Pois bem. Minha nova colega virtual estranhou meu vocabulário, minha linguagem, a maneira com a qual me expresso (isto porque, inbox, falávamos sobre política e utilizei em uma frase a palavra “porra”). Pedi desculpas e evitei expressões de baixo calão. Afinal, eu não a conhecia, era mais que adequado que eu me valesse de uma linguagem mais formal ao lidar com uma pessoa estranha a meu círculo de amigos. 

            Tudo bem. Saímos da política e fomos para o entretenimento. Comecei a falar de barzinhos, dos quintais dos amigos, das rodas de samba, de feijoada e de filmes de terror. Sou louco por filmes de terror. Outro estranhamento. Daí, eu quis saber o que ela esperava de mim. Olhem só vocês. Ela me disse que eu não parecia em nada com a pessoa que tinha escrito os contos que ela havia lido no Recanto das Letras. Falou que me imaginava mais sério, com gostos mais refinados, com uma leitura mais profunda dos livros, das pessoas e do mundo. 

            Acho que foi o melhor elogio que já recebi na vida. Ninguém nunca havia me dito que meus textos parecem mais interessantes do que eu. E olhe que me considero um sujeito apaixonante! Rs! 

            Acredito que a colega seja uma leitora voraz, uma apaixonada por literatura... Mas acho que ela entende pouco do universo daqueles que adoram escrever. Não sou nenhum acadêmico, literato ou intelectual, graças a Zeus! Não quero sobre mim o peso das responsabilidades de quem detém – ou parece deter – em si, conhecimentos profundos, herméticos, em uma esfera quase que espiritual, abstrata.

 

            Sou de jogar conversa fora, de rir tão alto ao ponto de deixar constrangido quem me contou a piada. Tomo porres homéricos com amigos cardíacos, choro assistindo Sessão da Tarde e nunca consegui ler Cem Anos de Solidão ou Guerra e Paz. 

            Todavia, já não me importo caso continuem me chamando de “carinha da boca suja”, contanto que minhas histórias permaneçam assim, diferentes de mim. Pois não escrevo confissões, mas pedacinhos de minha vida – todos soltos: um suspiro, uma casa pela qual passei, a água em meus pés na Praia da Taíba – e enormes blocos de vidas que eu detestaria ou adoraria ter vivido. 

            E quanto à minha nova conhecida? Não nos falamos mais desde então. Espero que ela ainda queira ser minha amiga. 

 

09/05/2014, sexta-feira

 

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