EM DEFESA DO CIUMINHO DE ELISA

 

         Quando criança, eu também sonhei que um dia eu iria para um país mágico, onde tudo é faz-de-conta. Cresci, hoje tenho 38 anos de idade, e descubro que meu sonho pueril finalmente se realizou!

 

         O Brasil virou o país do faz-de-conta! Nós fazemos de conta que não há homofobia, que mulheres não são agredidas por seus companheiros misóginos, que crianças não são espancadas por seus pais, que os pobres não são tratados como estorvo pelo estado e como criminosos pela polícia. Fazemos de conta que somos bons cristãos, enquanto desejamos a morte de viciados e de mulheres que abortam. Fazemos de conta que somos tolerantes, enquanto criamos grupos no whatsapp para falar mal de quem não se encaixa em nosso mundinho redondo, fofo, sem arestas.

 

         Talvez o maior de todos os faz-de-conta diga respeito à nossa sexualidade. Gostamos de fazer de conta que o brasileiro é o povo mais sensual do mundo, celebramos nossa industrializada sexualidade em músicas, literatura e cinema que vendemos pra gringo ver e se masturbar. Rebolamos, descemos até o chão, gememos... Tudo como exige o mercado. Padrão Fifa de sacanagem!

 

         Mas isso também é só faz-de-conta. O brasileiro é um careta sexual que tenta vestir a burca em tudo e em todos. É tão careta, mas tão careta, que não consegue sequer ler sem corar uns versinhos atrevidos, que brincam com os apelidos de nossos genitais.

 

         Está duvidando?! Pois a vice-diretora de uma escola municipal em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte, pode ser demitida por ter dado, no dia 28 do ultimo mês, um poema de cunho erótico para os alunos da 5ª série.

 

O caso aconteceu na Escola Municipal Jaime Avelar de Lima. Com a ausência da professora em sala de aula, a vice imprimiu o poema "Ciuminho Básico", da autora Ana Elisa Ribeiro, e distribuiu aos alunos.

 

Pronto! Foi o suficiente para que os pais dos alunos deixassem de segurar o “Tchan” e solicitassem a cabeça da vice-diretora em uma bandeja de prata.

 

Vocês lembram-se da 5ª série? Das coisas picantes que conversavam no intervalo das aulas? Fofocas divertidíssimas sobre xoxotas e cacetes, em rodinhas onde praticávamos com nossos amigos e amigas o jogo da transgressão, e assim crescíamos e nos tornávamos conscientes de nossos corpos, a revelia de nossos pais, que nos queriam eternamente assexuados. Para eles, bastaria que desempenhássemos pré-determinados papéis de gênero e que permanecêssemos na ignorância de nós mesmos a fim de que não parecêssemos desajustados sociais: bichas, sapatas, vadias, tarados.

 

Começamos a falar palavrões ainda cedo e nem por isso crescemos ninfomaníacos. O palavrão não é nenhuma desgraça, faz parte de todas as línguas faladas no globo. Creio, inclusive, que em algumas comunidades tribais, o palavrão seja um som sagrado. Afinal, que palavra certinha seria capaz de aplacar a dor que sentimos quando arrancamos um chaboque do dedão do pé?! Apenas o palavrão tem características curadoras. É subversivo e, talvez por isso, libertário, gostoso de ser dito.

 

Seu caráter apenas torna-se danoso quando o utilizamos para punir, humilhar, denegrir e infamar alguém. Aí ele perde seu sentido primeiro, que é o da graça. Excluídos de muitos dicionários, os palavrões seguem lépidos animando desde brincadeiras no jardim de infância a divertidas conversas de barzinho.  

 

Quem pensa que os próprios filhos não falam palavrões, não passa de um ingênuo ou de um cínico. O caráter proibitivo já é o primeiro doce e irresistível impulso. Fazer algo que pode acarretar punição nos dá o sentimento de poder sobre nós mesmos, o que é importante para o desenvolvimento cognitivo. E o fato de suas crianças não falarem calões na sua frente, não significa que elas não os digam.

 

Então, por que não levar palavrão para a sala de aula? Retirar dele seu caráter marginal e discuti-lo sem preconceitos, sem histéricas posturas moralistas? Os versos de “Ciuminho Básico” são deliciosos! Não machucam a integridade de ninguém e ainda trazem o “obsceno” para uma contextualização lírica, inteligente.

 

O polêmico poema (E que os poemas, assim como os mamilos, sejam sempre polêmicos!) de Ana Elisa Ribeiro poderia, inclusive, ser discutido em aulas de português, filosofia, biologia... Enfim, há tanta riqueza nestes versos, tanta franqueza, e tudo que enxergaram foi sujeira e depravação. Chega a ser criminoso chamar aqueles versinhos de indecência. “Indecente é você ter que ficar despido de cultura”, como já dizia a canção.

 

Enfim, leiam “Ciuminho Básico” e tirem suas próprias conclusões. E, se não conseguirem lê-lo com seus filhos pré-adolescentes e discutir sobre o conteúdo de cada versinho, então jamais falarão sobre sexo com eles.  

 

Hipocrisia emburrece. De ignorância básica, não devemos ter ciúmes.

 

Emerson Braga

07/05/2015, quinta-feira

Comments: 9
  • #9

    Maria (Thursday, 02 February 2023 16:01)

    Ameio o poema e a forma que foi dita não acho missogeno apenas realista cabe ao ponto de vista do leitor definir isto

  • #8

    Gina Girão (Sunday, 15 October 2017 12:56)

    Vou dizer de novo, porque cabe: o homem despido do MAM deixou muita gente nua.

  • #7

    Juliana (Thursday, 12 October 2017 20:33)

    Ótimo texto! Crianças do 5¤ ano não podem ler um poema porque fala xota, mas com 5 ou 6 anos já podem assitir novela das 9h e aprender um pouco sobre o mundo do crime, ou sobre como uma mulher deve agir quando traída, pode dançar até o chão com Anita, pegar gostoso com Ludmila, etc, etc. Sou professora de ed. Infantil e eles sabem as músicas e falam sobre a novela, e pode acreditar, não foi a escola que colocou estes temas no seu planejamento. Este é o mundo do faz de conta!!

  • #6

    Renata (Thursday, 12 October 2017 15:30)

    A escritura de merda é uma tarada, louca, s
    maníaca dà escola pode se chamar assim, pq nunca vi nada igual. Cuidado mães com seus filhos na escola que ela da aula.

  • #5

    Renata (Thursday, 12 October 2017 15:28)

    Quanta hipocrisia!

  • #4

    Du Bocage (Tuesday, 10 October 2017 10:28)

    Deixo a sábia reflexão de uma mãe de aluno, se não me engano cozinheira, que refuta seu textão: "Essas coisas, o mundo ensina. Escola é lugar pra aprender coisa boa".

  • #3

    Emerson Braga (Sunday, 17 May 2015 16:47)

    Não vejo tortura nem pornografia nesse poema... A tortura e a pornografia que você vê existe na sua cabeça, não nestes versos.

  • #2

    PEDRO PAULO (Saturday, 16 May 2015 17:11)

    TORTURA E PORNOGRAFIA NÃO PEGA BEM EM NENHUM LUGAR. QUANTO MAIS EM SALA DE AULA PARA CRIANÇAS.

  • #1

    Gina Girão (Friday, 08 May 2015 15:59)

    Hipocrisia não emburrece, porque burros merecem respeito. Hipocrisia é apenas o mais simples sinal de falta de inteligência, coragem, decência. Te amo, Emerson.